Ainda não li muitos livros de Stephen King, mas os poucos que li já me deram uma noção de seu estilo. Em suas histórias o bem prevalece, mas não significa que os personagens bons (mesmo os principais) tenham que sobreviver e nem que o final será necessariamente feliz. Em O Concorrente (publicado com o pseudônimo de Richard Bachman), King deixa mais clara essa posição.
A história mostra um futuro alternativo ambientado no ano de 2035 em meio a um mundo em que a desigualdade social é bastante acentuada. O ar puro é coisa rara e comercializado para poucos que têm condições de pagar. O maior entretenimento da população é assistir aos inúmeros programas da GratuiTV, uma rede poderosa de televisão que controla o mundo. Seus programas se caracterizam por serem competitivos e com altos prêmios em dinheiro, porém, os participantes colocam suas vidas em perigo, numa espécie de arena romana on line 24 horas por dia. Todos os participantes, sem exceção, são oriundos das classes mais pobres.
Um desses programas chamado O Foragido consiste em que o participante deve se manter vivo por um período máximo de trinta dias para ganhar o prêmio máximo em bilhões de dólares. Cada dia que permanece vivo, ganha certa quantidade de dinheiro que vai para os familiares. Detalhe que qualquer pessoa - civil ou policial - pode ajudar na captura do jogador e até matá-lo se for necessário. Aliás, o objetivo é matá-lo como se ele fosse um criminoso.
É nesse contexto que conhecemos Ben Richards, um homem normal e desempregado, que para salvar a vida da filha que está debilitada por uma doença e sem recursos para ser tratada, entra nesse programa. Contudo, Ben é um homem inteligente, perspicaz e sarcástico que não se ilude com o sistema e até o desafia, seja na postura nos trabalhos que teve (por isso, está sempre desempregado), seja nas conversas com os organizadores da GratuiTV com quem conversa antes de começar "o jogo." Sim. Ben tem consciência de que tudo é um jogo. O sistema é um jogo da vida humana, a TV seu reflexo.
A linguagem do livro é fácil e rápida, porém, é de uma acidez e ironia, com termos escrotos, sem papas na língua. É uma maneira de nos mostrar a realidade nua e crua, em que o mundo e as pessoas que vivem nele são perversas. Somente quando são colocadas numa situação deveras problemática, no lugar do outro, é que podem experimentar certa solidariedade. Uma visão de um mundo egoísta, irracional, em que as pessoas se divertem em assistir a desgraça alheia, insensíveis às necessidades de outros indivíduos considerados inferiores a elas. O poder da mídia e sua capacidade de manipulação das mentes e distorção dos fatos é algo brilhantemente demonstrado nesta história.
Embora a época seja futurista, o enredo não deixa de ser atual e não tão diferente com o que acontece nos dias de hoje. Vemos como a mídia consegue nos manipular e incitar opiniões (se é que se pode chamar de opinião) favoráveis à sua posição. Deixamo-nos entorpecer por um sistema opressor, que exclui aqueles que não podem aderir ao capitalismo, à globalização e compactuamos com essas ideias. O pior é que agimos dessa forma inconscientemente em nossos atos do dia-a-dia.
A mensagem do livro talvez seja um alerta. Se não prestarmos atenção, caminhamos para um futuro como esse em que vidas humanas destroçadas serão a próxima atração para os telespectadores. Um retorno ao tempo dos gladiadores.
OBS: Este livro inspirou o filme O Sobrevivente, estrelado por Arnold Schwarznegger. Mas a história tem muito pouco a ver.